Gisela Simões

“Que vozes são estas em minha boca?
Que mil e uma gentes vêm obrando palavras,
Sem permissão, com minha língua?”

Primeiro ato

Seja aberto o pano a um jogo cego de marionetas
Estreado com o corte de um dos fios de suspensão
(Contrariedade que cursa com o propósito enganador de liberdade):
O cordão umbilical.
Feito isso, é o ser o agregado dos restantes fios
Marioneta guiada em emaranhados de vontades:
As suas, as divinas, as dos outros
A da matéria até, que há de vir resolver o fim.
Encetada a cena com o choro da criança
(Que não é do corte, não é de medo, não é de gelado caído no chão ou brinquedo estragado)
Feito, sim, somente dessa penúria de decisão.
Pois que perdura o choro em espetáculo a vida toda
Marioneta avassalada, cansada já após o primeiro passo.
Ó tu aí de cima, quereis parar de brincar?

 

Segundo ato

Truz truz
Arrancado de rompante
Das desconsertações de alma
Fecho a cortina desse palco, findado o primeiro ato.
Dou outro passo, para um novo palco: o outro, o de fora
Aquele que tem a porta aberta e o alguém sorrindo
E onde se escuta o convencionado “Tudo bem?”.
Aquele em que, marchetada em mim uma faca
Sangro, guincho arremessado ao chão
Como porco em degoladouro.
Qual dos palcos o mais real?
Eis que neste novo palco sangro, guincho e me arremesso
Mas a dor, essa
De vida esvaindo
As imagens de minha biografia passando em sequela
Os 21 gramas de minha alma
Está tudo atrás da cortina que ainda agora fechei.
Por isso, neste outro palco onde nada dói:
“Tudo bem”, respondo.

 

Terceiro ato

“Tudo bem”
Ecoa ainda na sala.
Que vozes são estas em minha boca?
Que mil e uma gentes vêm obrando palavras,
Sem permissão, com minha língua?
Que mistura de ser é essa? Sou eu, esses? Deixo de ser, por ser mais que um?
Ah!, que vontade de destrinçar o divino e ignoto propósito que vem agarrado às vidas,
Implantado no ventre, com a vontade de ser.
E no que resulta esse ser?
Qual é o saldo de uma vida quando esta definha devagarinho sobre si,
Como bicho de conta enleado, repousando sobre solo seco e quente do bafo dos mortos?
É nesse solo que me aventuro agora a dar um passo,
E, com tal passo, o que deixei para trás?
Terei sido suficiente? Terei sido o que seria para ser? Esgotei eu o ser ou o ser cansou-me?
Se o que sou está comigo
Se o que fui está inscrito nesta pele
Se a promessa do que serei está agasalhada na vontade deste corpo,
Um passo me separa, apenas, de um halo de tempo.

(Cai o pano)