José Braz
“O debate político está, assim, ao nível do debate futebolístico, em que temos claques ideológicas. O modus operandi desta forma de discutir é defender cegamente aquilo em que se acredita, sem dar espaço a qualquer tipo de contraditório e apoiando-se apenas na informação que é útil à tese que se está a defender.“
Os tempos estão a mudar. A pandemia faz-nos alterar por completo hábitos, rotinas e leva-nos a colocar pontos de interrogação em conceções que temos fixas no nosso imaginário. No entanto, e para que possamos lidar melhor com a pandemia, existe uma coisa que é absolutamente imperativo que não confinemos: o debate político civilizado.
Durante a minha infância sempre tive a ideia de que a política era algo muito sério e importante para a vida do país e que na Assembleia da República estava um conjunto de pessoas que, independentemente da sua ideologia e filiação partidária, se juntavam para discutir e encontrar as melhores soluções para os problemas dos cidadãos que os elegeram. Pois bem, em 2020, olho para o panorama político português (e nem preciso de ir ao mundial, pois dava pano para muitas mais mangas) e eis o que vejo: um deputado que manda outra deputada para a sua terra, porque esta teve o desplante de produzir muita melanina, um partido que discute em congresso uma moção que prevê que se retirem os ovários a mulheres que queiram abortar, entre muitas outras rábulas dignas dos sketches dos Gato Fedorento. A pergunta com que fico é “Como é que chegamos aqui?”.
Atualmente é impensável discordar da opinião de alguém sem levar com acusações de “facho” ou “esquerdalho” e as redes sociais, em vez de contribuírem como fonte de informação, colocam tudo isto em esteroides. Ao entrar no Twitter ou no Facebook fico com a impressão de que estou submerso num mar de extremismo e intolerância. Ao que parece, hoje em dia só existem, de um lado, saudosistas da URSS que querem que todos os milionários sejam enviados para o gulag e, do outro, racistas, xenófobos que defendem que o senhor cor de laranja dos States devia ser imperador mundial.
O debate político está, assim, ao nível do debate futebolístico, em que temos claques ideológicas. O modus operandi desta forma de discutir é defender cegamente aquilo em que se acredita, sem dar espaço a qualquer tipo de contraditório e apoiando-se apenas na informação que é útil à tese que se está a defender. Não é por nada que um dos deputados que define a maior parte da agenda política nacional chegou à esfera pública via programas nos quais se discutem foras de jogo durante uma semana inteira. A continuar assim, prevejo que nas autárquicas, daqui por um ano, vamos ter os hinos de candidaturas escritos pelos ultras do futebol. Vamos ter a soar pelo país coisas do género “Só eu sei, porque voto PS” e “Glorioso, PCP”.
Desta forma, penso que é tempo para uma reflexão profunda sobre o estado a que chegou o debate político. É preciso que haja, por um lado, alguma moderação na forma como debatemos e não partirmos logo com 7 pedras na mão para qualquer discussão e, por outro, alguma humildade para descermos do pedestal em que colocamos as nossas convicções políticas e reconhecermosque, por vezes,podemos estar errados.
Por fim, em jeito de desafio, vamos deixar as redes sociais por 5 minutos e pegar num livro de história do 9.º ano. Se não colocarmos um travão na polarização do debate político na década de 2020, corremos o risco de voltar às décadas de 1930 e 1940.