Marcos Ferreira

“Em nós trazemos o problema e a solução. Nunca seremos perfeitos, mas seremos sempre humanos. Não deixemos que isso se perca.”

No outro dia, vagueava pelas redes sociais quando me deparei com algo engraçado. Gravado à queima roupa, vejo aquilo que parece um casal de idosos que foi às compras. Ela está com uma máscara cirúrgica, ele com um penso higiénico. Ri. Verdade seja dita, até à data nunca tinha visto alguém a dar-lhe aquele uso. No entanto, como já todos nós sabemos, o ser humano é engenhoso, principalmente em momentos de necessidade. Ri, mas assim que viajei pela secção dos comentários um certo desconforto tomou conta de mim.Vários ridicularizavam o homem, outros faziam detalhadas descrições da sua estupidez. Pareceu-me desumano. Já devia estar à espera, as redes sociais trouxeram muito, é um facto, a distância entre nós nunca foi tão pequena. No entanto, uma parte importante do nosso processo de comunicação perdeu-se, o impacto que as nossas palavras têm no outro. Não temos acesso a esse feedback nas redes sociais. Por isso, é muito fácil perder-se a empatia. Isto distancia-nos.

Ao longo do meu percurso académico aprendi que, como maneira de reduzir a incerteza que encontra no mundo, o ser humano tem uma tendência natural de criar categorias, gavetas mentais, onde organiza a informação com base na sua semelhança. Isto ajuda-nos a diminuir o caos que nos rodeia. No entanto, ao mesmo tempo, este sistema pode propiciar distorções, erros. Um desses erros é o erro fundamental da atribuição. Muitas vezes, o ser humano incorre numa tendência para, numa determinada situação, sobrestimar a importância das características individuais e do carácter de uma pessoa em relação às características do contexto. Se virmos uma pessoa a caminhar de forma bizarra na rua, facilmente assumimos que a razão por detrás disso será uma característica da pessoa. O seu défice intelectual, por exemplo. Nunca, de forma natural, procuramos avaliar se o caminho garante as condições necessárias para uma caminhada normativa. Talvez façamos isto porque as característica individuais tipicamente são estáveis ao longo do tempo. Os contextos têm duração limitada, as suas características estão constantemente a mudar. Ou seja, o nosso dom é também o nosso problema, há alguma metáfora que melhor descreva a humanidade?

Relembrando o senhor e o seu penso, é possível agora constatar que é mais fácil assumir a sua estupidez e o consequente ridículo da situação em que se pôs, do que pensar que, por pertencer a uma faixa etária mais fragilizada e menos hábil, o senhor não foi rápido o suficiente para obter máscaras antes de esgotaram e, por isso, teve esta ideia, ridícula, sim, de usar outra coisa para se tentar precaver. Tentou. O contexto não lhe permitiu obter o que precisava.

Numa base diária, esquecemos, ignoramos ou atenuamos a influência que o contexto exerce sobre o comportamento humano. No entanto, se somos bondosos, antipáticos, ou mesmo ridículos, isso poderá simplesmente ser uma resposta adaptativa e mais dependente de fatores contextuais que aquilo que imaginamos. Não quero com isto semear discussão. Quero apenas partilhar a ideia de que julgar, apesar de natural, é a resposta mais fácil, deficiente em informação fundamentada e característica do nosso eu primitivo e inconsciente. Como seres dotados de consciência e livre-arbítrio, temos a capacidade de assimilar este conhecimento e ajustar o nosso comportamento. Em nós trazemos o problema e a solução. Nunca seremos perfeitos, mas seremos sempre humanos. Não deixemos que isso se perca.  Estamos todos no mesmo barco e o egoísmo de uns prejudica outros.