Miguel Alves Teixeira

Cabe assim à sociedade abordar sistematicamente o tema do racismo, ignorado como um não assunto por falta de interesse de quem tem poder e falta de poder de quem tem interesse.

Existe racismo em Portugal?

Seria ingénuo responder negativamente a esta questão em qualquer país. Em Portugal, primeira e última potência colonial clássica até 74/75, país onde o passado colonial é celebrado como idade de descobertas e a escravatura e extermínios remetidos para notas de rodapé, sê-lo-ia ainda mais. Recentemente, devido à morte de Mário Soares, vimos até por todo o lado uma certa vaga saudosista dos bons tempos coloniais. Todos nos apercebemos também, que do futebol às piadas de café ou a algumas intervenções policiais, a discriminação racial é uma realidade bem presente. Como se reflecte esta discriminação?

Esta pergunta não tem uma resposta clara. Abordar a questão racial, em particular da população negra – a histórica e (supõem-se) numericamente mais importante minoria – torna-se impossível por falta de dados. A ausência destes dados sobre a identidade racial tem por base uma ideia meritosa de não discriminação, mas que permite que se viva um racismo, se não totalmente oculto, pelo menos sem tradução objectiva possível. Apenas existem dados relativos às nacionalidades de residentes estrangeiros em Portugal.

Em que áreas existe?

Como percebemos, é impossível apresentar uma resposta solidamente fundamentada, mas vejamos um exemplo numa área importante como o poder político.

Dos 230 deputados no parlamento, apenas um, Hélder Amaral do CDS-PP, é negro. Aplicado à população geral (considere-se 10 milhões) a razão 1/230 equivaleria a cerca de 40mil pessoas. Se considerarmos que, em 2015 eram residentes em Portugal 38.000 cidadãos Cabo-Verdianos (dados do SEF), percebemos a clara sub-representação deste grupo no parlamento. Podemos argumentar que os representantes não têm de ser iguais aos seus eleitores. Seria difícil encontrarmos eleitores suficientes que correspondam à representação das sociedades de advogados na vida parlamentar. No entanto, é difícil ver nestes números uma sociedade inclusiva.

Como abordar este problema?

O racismo acompanhou sempre o colonialismo e urge assim começar a rever a história do colonialismo português, reconhecendo os seus muitos aspectos negativos até 1974. Vivemos numa espécie de cegueira voluntária para este problema, pelo que é fundamental recolher dados para analisar objectivamente esta questão. Só então conheceremos a situação nas escolas, ensino superior, sistema criminal, na saúde, nos poderes político e económico. Cabe assim à sociedade abordar sistematicamente o tema do racismo, ignorado como um não assunto por falta de interesse de quem tem poder e falta de poder de quem tem interesse.