Alice Santos
“Na cidade adormecida
Há sonhos acordados,
embrulhados em cobertores (…)”
NOITE DE NATAL
A vidraça entreaberta
A chuva lá fora
A rua quase deserta…
Só os grossos pingos
Caindo na solidão
Dos que vagueiam.
O vento uiva
Gélido corta a pele
Envolta nas notícias do dia
Coberta de breu
Véu infinito de dor
Grito débil e mudo…
A lua que espreita
Luzes que piscam
Lareira que queima…
A vã esperança
De aquecer a alma
Na noite de Natal.
SABES MENINO
Sabes menino
é dezembro,
é Natal.
Na minha rua
já brilham as luzes,
a azáfama reina,
a fantasia impera,
a harmonia ecoa nos corações,
o amor habita os lares.
Mas para ti, menino,
não é Natal,
nem sequer sabes que é Dezembro,
nem sequer tens rua.
Pois não, menino?
Ou talvez seja o único bem que possuis.
A Rua.
É lá que brincas,
é lá que dormes,
é lá que sonhas,
é lá que enganas a fome,
é lá que vives a dor.
Tu, menino
sem casa,
sem família,
filho dum ventre vazio,
sem sons, sem cor,
gerado num mundo sem amor.
A ti, menino…
Se soubesse magia,
eu dava tudo,
dava um lar,
dava sorrisos,
dava amor.
Assim, menino
esquecido pelo mundo,
que tens no olhar o brilho das estrelas
e a luz do luar,
eu dou-te estes versos.
Talvez poema.
Sem nome.
Como tu, menino.
FRÁGIL
Frágil
cambaleia
pela cidade.
Arrasta-se.
Seu corpo pesa
toneladas
de vidas
passadas.
Histórias vividas
sem vida própria.
Ousa sonhar…
Luzes nas janelas,
Cheiro a filhoses,
Calor de sonhos…
Mas ela…
Frágil
vagueia
pelas ruas
tal como a vida
por si tem deambulado.
CIDADE ADORMECIDA
Na cidade adormecida
Há sonhos acordados,
embrulhados em cobertores
velhos,
sujos,
suados.
Tal como a vida
gasta,
dormente,
que marina numa caixa de papelão.
Há sonhos.
Sonhos desfeitos,
gelados,
rasgados pelo tempo.
Há sonhos.
Sonhos que pululam nas arcadas,
sonhos que vagueiam na calçada,
descalços de futuro.
E há gente.
Gente que ainda sonha
sonhos escritos nas estrelas,
desenhados no mar,
pintados de vento,
que navegam nas veias,
muito além do firmamento.