Bruno Chambel
“(…) a alquimia de uma química já morta
cindiu todos os nossos átomos”
estou cego surdo
mas não mudo
e lá estás tu
sem ser o mesmo
dizendo rigorosamente nada
porra
tenho andado por casa às voltas
procurei as nossas cartas
mas já não sei onde as meteste
depois fui até ao café
onde ficavas de olhar parvo à minha espera
e logo percebi
que não mais sei o rosto inocente
nem mesmo o perfume ardente que me entregavas
a verdade imediata
estava presa à nossa cintura
numa translação planetar
de silhueta imperfeita
a verdade que nos resta
está seca na fonte
com que me davas de beber
e eu já nada sei que me sinta
neste novo significado que nos deste
te garanto
por mais dinastias que a vida te oferecesse
não compreenderias a revolta inconformante
que nada ter acontecido
me causa
podia ter ficado à espera de algo
ou talvez fabricado pistas premonitórias
para este romance ter falhado
mas nada
não sucedeu nada
rigorosamente nada
a alquimia de uma química já morta
cindiu todos os nossos átomos
um por um
no último olhar que me deste
uma crueldade mística de colapso físico
uma loucura que transmigra o sentir-me humano
uma morte
outrora amor
quebrou todas as nossas leis e sentidos
viajou para além do universo que criámos
com o peso do peito
deitou-se a sós na angústia infinita do cosmos
no silêncio sideral
onde já nada resta que valha a pena
a mão jovem com que te tocava
sem sítio onde voltar
mesmo assim veio assinar
o fim do nosso mundo.
04-06-2019