João L. Gonsalves

“Os meus amigos de outras eras morrem em mim
O tempo, impiedoso, transforma-os em simples gotas num oceano de nada.”

Em tempos, atrevi-me a escrever numa folha gasta
que repousava na minha mesa-de-cabeceira
a seguinte frase:“ Ser criança é ser livre, livre do próprio ser.”
Invade-me um desalento dilacerante quando me consciencializo que o tempo passou.
Perante a sufocante verdade do fluir ininterrupto da existência, choro,
ao perceber que o que foi outrora nunca será de novo.

Aquele tempo em que o presente significava verdadeiramente algo
e não era somente o ponto que separa o passado devastado pela dor do arrependimento
do futuro dominado pela incerteza de um mundo em constante mudança.

Aquele tempo em que tudo era genuíno,
onde a natureza primaveril resplandecia a alegria de uma existência sem objetivo,
onde as árvores frondosas e determinadas
davam cor a um mundo policromático que animava
e que nos enchia de uma vontade imperecível de viver.

Porém, tudo se tornou cinzento.

As responsabilidades, as regalias e os deveres,
as vitórias e as derrotas, a confiança e a insegurança,
o orgulho e a desilusão bateram à porta.
Eu, ansioso por abandonar a ingenuidade
que filtrava a realidade e tornava a minha visão
do que me rodeava uma miragem idílica
de algo que nunca chegou a existir, a ser, deixei-os entrar.

Os meus amigos de outras eras morrem em mim.
O tempo, impiedoso, transforma-os em simples gotas num oceano de nada.
Todas estas angústias resultam num profundo temor
que aflora das profundezas mais recônditas do meu ser.

Tenho medo…

Sei que tudo é passageiro, nada dura, nada é eterno.
A vida passa sem percebermos o que verdadeiramente importa.
O que é isso? Ainda não sei…
E o não saber assusta-me…
Na realidade, a única verdade para além do perecer eterno é essa mesma:

Todos temos medo…

Todos…